UM BOÊMIO NO CÉU – UM ENCONTRO ENTRE JOSÉ MAYER E A OBRA DE CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

“Um boêmio no céu” é um dos textos mais interessantes da obra de Catullo da Paixão Cearense. Escrito em 1945, se manteve esquecido por décadas, até que em 2007 foi transformado em peça de teatro e levada ao palco pelo ator José Mayer em uma montagem musical dirigida por Amir Haddad.

CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE

Catullo da Paixão Cearense, conhecido como o poeta do sertão, nasceu em 1863, em São Luis do Maranhão, mas foi ainda jovem morar na cidade do Rio de Janeiro. Poeta, músico e compositor, faleceu em 1966 e deixou um importante conjunto de obras de temática regional sobre a condição e a realidade nordestinas. Dentre seus trabalhos, especial destaque é dado à conhecida canção “Luar do Sertão” (em parceria com João Pernambuco).

Já no Rio de Janeiro, envolvido com a música e a boemia da cidade, publicava histórias em Cordel (literatura tipicamente regional encontrada no nordeste brasileiro). Aos 19 anos já era violonista e se aventurava nas modinhas, estilo musical muito popular à época. Foi parceiro de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, entre outros.

UM BOÊMIO NO CÉU

“Um boêmio no céu” é considerado o seu único texto de teatro e levado ao palco pela primeira vez por José Mayer em 2007. A montagem de Mayer tem a modinha “Ontem ao luar” de autoria de Catullo e Pedro Alcântara como um dos pontos altos da peça. Antes desta montagem, tem-se notícia de “Um boêmio no céu” ter inspirado um filme de curta metragem produzido na década de 1970, por Murilo Santos, diretor maranhense, mas que não deixou registro para a atualidade.

Mayer, além de ator, também é um grande apaixonado por música. Com formação musical sólida, seu talento também pode ser medido pela qualidade de suas participações como cantor em peças como a própria “Um boêmio no céu” e as mais recentes montagens de teatro musical, “Um violinista no telhado” (2011) e “Kiss me Kate” (2015), ambas frutos de feliz parceria com Charles Moeller e Cláudio Botelho.

Em “Um boêmio no céu”, Mayer, além de interpretar o papel título do boêmio, também assinou a produção do espetáculo, que teve temporada no Rio de Janeiro em 2007 e em São Paulo, no ano seguinte (2008), no Teatro do Sesc Vila Mariana.

Esta montagem que entrou para a história não apenas por ser a primeira do texto de Catullo, mas pela qualidade cênica e musical apresentadas, contava também com a presença em cena de Antonio Pedro Borges, Aramis Trindade e Kátia Britto.

O texto narra a história de um violeiro boêmio em conversa com São Pedro, que não quer autorizar a sua entrada no céu. Em um acirrado embate, todo composto em versos decassílabos e embalado por canções do próprio Catullo, José Mayer fez uma ode à brasilidade em uma montagem que fala “à alma brasileira”, como ele próprio definiu à época, em entrevista à revista Isto É.

Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, o crítico Murilo Araújo declarou certa vez que “a poesia de Catullo tem raízes no povo e haveria de voltar, desfeita em flores e frutos, ao campo em que teve origem: volta ao povo e viverá com ele”.

Também Procópio Ferreira, sem dúvida a maior referência de ATOR na história do teatro brasileiro, declarou no prefácio do livro de Catullo que “Um boêmio no céu” era, a seu ver, “uma notável peça de teatro” e dizia reconhecer-lhe “essa qualidade por possuir as virtudes máximas do teatro: carpintaria e simplicidade de expressão”, destacando que o tema da obra se encaixava na pauta da moderna dramaturgia brasileira que pretendia “humanizar os deuses ou divinizar os homens”, concluindo que a grande virtude da obra é “o embaraço da divindade ante o raciocínio do homem”. Procópio não viu a montagem de Mayer, é claro (Procópio Ferreira faleceu em 1979). Em ocasião anterior, Procópio teve a chance de expressar a sua admiração em um telegrama enviado a Mayer em 1974, em que destaca a qualidade de sua atuação em cena no espetáculo “Fala baixo, senão eu grito”.

Mayer e Catullo foi um feliz encontro entre talentos que trouxeram ao palco a qualidade de um grande texto fortemente pautado em referências da cultura popular brasileira. O texto foi também enriquecido por músicas de grande qualidade: as modinhas – gênero musical de origem portuguesa que encontrou solo fértil na cultura brasileira e que traduz um lirismo romântico fortemente caracterizado nos séculos XVIII e XIX no Brasil.

Um pouco mais de Um boêmio no céu: